terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

7 traços da fala que não fazem diferença

Bom dia,

Meme com cara de tacho
(puxado de images.google.com)
Imagine que você tá numa classe de idiomas. O professor começa a aula e pede para você traduzir a palavra que ele vai dizer. Você traduz normalmente, mas ele responde: "Não. Não é ... . É ..." e você fica com aquela cara: "...mas não foi isso que eu acabei de dizer?"

Você já passou por essa situação? O nosso ouvido está acostumado a diferenciar certos tipos de sons e ignorar outros, de acordo com o significado que eles podem ter na nossa língua materna. Quando começamos a aprender um novo idioma, muitas vezes não percebemos que é um sistema diferente de sons, de letras, de forma de pensar. Algumas coisas não fazem diferença no nosso ouvido simplesmente porque até agora ele não precisou diferenciar.

No casos dos brasileiros, aqui estão alguns traços da fala que nós normalmente não diferenciamos:

1. Comprimento da vogal
Em algumas línguas, como finlandês e latim, e em menor escala em alemão e inglês, a duração de tempo para produzir um som de vogal faz com que elas possam significar coisas diferentes. É como falar a vogal duas vezes, sendo geralmente a primeira mais acentuada. Em inglês, sheep "shíip" /'ʃiːp/ e ship /'ʃɪp/ se diferenciam pela duração da vogal, mas também pelo segundo ter som mais parecido com o nosso Ê (mas não chega a ser igual).

2. Comprimento da consoante
Essa é principalmente para os estudantes de italiano. Sabe aquelas letras duplas que vários brasileiros têm no seu sobrenome (se for de origem italiana)? Em italiano, a pronúncia é como duas consoantes seguidas, mas a primeira fica "trancada" antes de sair a próxima (parecido como quando dizemos "celular" rápido: os dois L ficam grudados). Como exemplo, compare pala /'pala/ ("pá") e palla /'pal.la/ ("bola").

3. Aspiração
Alemão e coreano, entre outros idiomas, dintinguem entre a consoante simples e a que tem como um "sopro" junto, como um H inglês saindo logo depois que a consoante é falada. Assim, nosso P pode ser percebido como um B para eles por faltar esse sopro extra, e no sentido oposto, o B deles pode parecer um P pra nós, especialmente no início da palavra ou no final, pois nesses idiomas, é mais fácil diferenciar P'HÊ de PÊ do que PÊ e BÊ.

4. Consoante no final da palavra
Isso não acontece com todas, mas principalmente com som de P, T e K e também com B, D e G porque elas são raras no final de palavras em português. Não sabemos direito como lidar com elas: às vezes sai um som de "i" no final junto se pensamos que a palavra está em inglês, ou simplesmente cortamos se achamos que é uma palavra francesa, ou ainda nos inclinamos para uma das duas formas independente do idioma. Assim, é possível ouvir a palavra em inglês card falada aqui como "cárdi" ou "car". Na minha opinião, seria mais fácil pra alguém entender você se sobrar pronúncia do que se faltar letra no final.

5. Som de S ou Z na posição final
Pra nós, não faz diferença falar "lessma" ou "lezzma", exceto que a primeira versão fica forçada. Entre "passto" ou "pazzto", soa mais natural o primeiro. Isso acontece porque a "voz" so som (experimente fazer SSSSSSS e depois ZZZZZZ: só com o segundo você pode  cantar uma melodia junto) se adapta pra voz da consoante que vai depois: M tem "voz", mas T não. Em inglês, close "clouzz" /kloʊz/ quer dizer "fechar", mas close "clouss" /kloʊs/ quer dizer "perto". Brasileiros são logo reconhecidos por falantes nativos do inglês ao dizer small como "izzmóu" em vez de "ssmóull". A tudo isso ainda se acrescenta as (não-)diferenças entre S e Z nos sotaques do Brasil.

6. Som de M ou N na posição final
Parecido com o ponto de antes, não faz diferença pra nós se a palavra "campo" estiver escrita como "canpo", pois o resultado na pronúncia é só um A mais nasal. Em francês, isso acontece bastante também, mas não em línguas como inglês e espanhol, onde os M e N finais aparecem bem, ainda mais quando a próxima palavra começa com vogal. Para um estrangeiro que diferencia M e N no final da palavra, parece que nós estamos sempre usando um som de NG final do inglês, ou eles nem ouvem no caso de não conseguirem diferenciar nossas vogais nasais das outras (experimente perguntar pra um americano se ele diferencia "com licença" de "co licêça").

7. Tom nas sílabas
Línguas asiáticas, como o mandarim, e muitas africanas, entre outras, diferenciam padrões de entonação nas sílabas de uma palavra, que podem significar palavras totalmente diferentes apenas pelo tom usado. Isso é bem diferente do nosso tipo de entonação em frases para diferenciar uma pergunta de uma afirmação. Em sueco, você pode usar a palavra anden para dizer "o pato" se o tom da primeira sílaba for mais alto que a da segunda ([ˈa᷇ndɛ̀n]), ou para dizer "o espírito" se o tom da segunda for mais alto que a da primeira ([ˈa᷆ndɛ̂n]). Note que a sílaba tônica é a primeira nos dois casos.

Espero ter ajudado você a pensar um pouco sobre a percepção no aprendizado de outras línguas. Ainda poderiam ser listados outros traços que são distintivos apenas em parte. Se você já teve dificuldade em diferenciar alguma palavra em outra língua ou começou a percebê-las a partir deste blog, compartilhe sua experiência com a gente.

Atenciosamente.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Mudanças no blog

Oi pessoal,

Na medida que estou aumentando minha página sobre a língua braziliã (ver acima), estou sentindo mais necessidade de criar um blog separado pra poder postar e organizar melhor pequenas partes individualmente, como gramática, vocabulário, e mais. Ainda vou poder vincular tópicos desse blog com o outro, como blogs irmãos, deixando esse com foco mais participativo e o outro mais explicativo.

Pois é, vou pensar mais um pouco sobre isso. Se quiserem dar alguma sugestão, podem comentar nesse post :)

Obrigado pela atenção, tchau.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Minhas amigas e meus amigos

Olá leitor(a) do blog Karta Sosial,

O post de hoje vai tratar dos gêneros. Pra começar, sugiro que você assista este vídeo do pronunciamento que nossa presidenta fez em setembro sobre a redução das tarifas para 2013. Repare em como ela se dirige aos ouvintes e repare também em outros detalhes de gênero através do discurso.


A língua portuguesa, assim como outras derivadas do latim, tem distinção entre gênero masculino e feminino. Esse gênero não faz referência apenas ao sexo biológico, mas também ajuda a distinguir palavras num nível puramente gramatical, como o corte e a corte.
Assim como o sistema de gêneros oferece vantagens, ele também sofre com algumas incapacidades:
- Inclusão dos dois gêneros de forma equilibrada no plural.
- Referências com gênero indefinido ou que se aplica tanto ao masculino como feminino.
- Referências a seres com sexo biológico não perceptível ou inexistente, como muitos animais, seres infantis e divinos.
Sobra para o gênero masculino abarcar algumas dessas funções ou então se toma alguma solução diferente para tentar amenizar o problema.

Como visto no vídeo, uma solução para a inclusão dos gêneros é sempre falar duas vezes a mesma coisa, uma no feminino e outra no masculino (ou vice-versa): minhas amigas e meus amigos... Os pontos negativos aqui é que aumenta a quantidade de palavras e ainda pessoas podem reclamar da ordem em que elas aparecem.

Outra solução, até bem padronizada no Brasil em documentos, é colocar entre parênteses o final feminino junto com a palavra no masculino: o(a)s instrutore(a)s do(a)s aluno(a)s... Não deixa de ser estranho, pois subordina o feminino no masculino, além de "sujar" o texto com tantos parênteses. Existe ainda aquele velho problema dos anúncios de emprego, onde o empregador não quer especificar o gênero, mas é obrigado a fazer isso por falta de opção, às vezes fazendo prejuízo das classes de trabalho: precisa-se de operador de caixa (nenhuma mulher poderia se oferecer como candidata a este serviço?); Estamos recrutando costureiras (um homem seria incapaz de realizar a mesma função?).

Há uma tendência moderna entre pessoas que defendem a igualdade de gêneros em usar símbolos especiais (com pronúncias diferentes também) no lugar dos finais tradicionais: @ (entre -o e -a, com pronúncia fraca de "ó" /ɔ/) e também æ (entre -a e -e, com pronúncia de "é" /ɛ/). Assim, se usa frases como @s instrutoræs d@s alun@s... Apesar de ser mais igualitária, eu acho essa solução particularmente feia, tanto do ponto de vista da tipologia, quanto da dificuldade da pronúncia aberta fraca, e do próprio símbolo @ que ainda prioriza o "a" no centro e conflita com códigos de computador, como emailsAinda assim, fico feliz que tem gente preocupada em tornar o discurso mais justo no tratamento das pessoas, sem perder as vantagens do sistema de gêneros e a identidade que traz pro nosso idioma.

Ao invés de incluir, outros idiomas têm preferido através da história excluir seu sistema de gêneros em favor de um discurso mais neutro. É o caso do inglês, onde apenas alguns pronomes devem indicar o gênero biológico (he, she, it), e apenas algumas palavras têm formas diferentes entre feminino e masculino (man/woman, rooster/hem, ox/cow, actor/actress, policeman/policewoman, entre outras). Até mesmo nesses casos, atualmente se tem esforços para substituí-las por termos comuns, como o they singular e o police officer.

Agora vou mostrar a minha proposta inclusiva. Já estou usando na língua que estou construíndo para os brasileiros (se quiser, pode dar uma olhada em Braziliaŋ), mas caso as pessoas não o aceitem por completo, pelo menos incorporar o seu sistema de gêneros no português já seria um alívio, perto da iminente "ruína tipográfica politicamente correta" do nosso século.
Como já temos o final -o relacionado com o masculino e -a com o feminino, por que não designar -e para um novo gênero que possa servir tanto como um gênero indefinido no singular, como um gênro comum ou inclusivo no plural? Parece estranho? Então compare a simplicidade que este terceiro gênero traz às frases:

PT-Br com 2 gêneros: Brasileiras e brasileiros, minhas amigas e meus amigos...
PT-Br com 3 gêneros: Brasileires, mins amigues...
Braziliaŋ (BZ): Brazileri, miŋs amigi...

PT-Br com 2 gêneros: O(a)s instrutore(a)s do(a)s aluno(a)s...
PT-Br com 2 gêneros: @s instrutoræs d@s alun@s...
PT-Br com 3 gêneros: Es instrutores des alunes... (o masculino seria instrutoros)
BZ: Es iŋstruedori des aluni...

PT-Br com 2 gêneros: Procura-se cozinheiro (como está hoje, não fica explícito se o empregador aceita mulheres)
PT-Br com 3 gêneros: Procura-se cozinheire (se aplica tanto ao masculino quanto ao feminino. Se aparecesse procura-se cozinheiro, já se saberia que se trata de um cargo apenas para homens naquele momento)
BZ: Si prokura koziŋeri

Se você conhece alguém que defenda a igualdade de gêneros, mas usa aqueles símbolos estranhos na falta de opção melhor, convide "ilo" (ele ou ela) para ler meu blog e comentar. Você mesmo pode colocar seus sentimentos e ideias sobre isso aqui.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Maciota, supinta, xongas!

Hoje eu tava tomando café, vendo o programa da Ana Maria Braga, e passou essa reportagem sobre palavras que não são mais usadas (ou um sentido delas). Assista esse divertido vídeo no link: Mais você - 13/02/2013 - Maciota, supinta, xongas! Será que alguém ainda usa essas palavras?

Não sei se é porque eu estou ficando velho, mas algumas das palavras eu reconheci, como maciota, coqueluche, pinóia e dedéu. Só que você, depois de ver o mesmo vídeo, pode ter reconhecido outras que eu não consegui. Acredito que o uso vai mudando, mas não em todas as regiões do Brasil ao mesmo tempo. Pode ser que algumas já sumiram onde foi feita a reportagem mas ainda são populares em outra parte do país (mesmo na reportagem, alguns acertaram o significado, mostrando que, usadas ou não, elas ainda são lembradas - pelo menos por enquanto).

O post de hoje foi mais pra descontrair, mas tambem quero porpor: participe colocando nos comentários as palavras que você lembrou, e também aquelas que não apareceram e que você também não ouve mais falar hoje em dia. Vou "carpir o côco"!

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Pra que acentuar? - Parte 2

...Continando.

No tópico de antes eu não cheguei a falar muito sobre a utilidade do acento.
Ele pode ser usado para indicar com mais precisão a qualidade de som de uma letra, marcar a sílaba mais forte de uma palavra, diferenciar entre duas palavras curtas, indicar o tom da sílaba (em transcrições do escrito chinês para o alfabeto latino) e às vezes até para indicar a própria existência de uma vogal específica ou a falta de vogal em escritos onde as vogais são omitidas (por exemplo, árabe e hebreu).

E em português, como funciona?
O acento marca ao mesmo tempo a sílaba mais forte e a qualidade da vogal. Temos dois acentos principais que definem altura e acento silábico: o acento agudo (´), que indica a pronúncia mais aberta em E, A, O (representando em AFI, é = /ɛ/, á = /a/, ó = /ɔ/), e o acento circunflexo (^), famoso "chapeuzinho", indicando a pronúncia mais fechada em E, A, O (ê = /e/, â = /ə/, ô = /o/). Note que I e U só recebem acento agudo, pois não têm qualidade vocal alternativa. Assim, para marcar uma sílaba mais forte numa posição não habitual, é preciso também escolher o acento para indicar a pronúncia da vogal. Por isso é que no Brasil escrevemos prêmio e em Portugal se escreve prémio (se bem que no Rio está crescendo uma tendência de pronúncia igual à que já existe em Portugal).
Pode ser dito que, onde a sílaba forte já está numa posição normal, o acento marca apenas a qualidade da vogal. Isso era mais comum antes das últimas reformas ortográficas: êle, rêde, côro, pára, mas tem se tornado cada vez menos necessário, pois em várias palavras a altura (pronúncia com a boca mais aberta ou mais fechada) é variável. Veja: gosto (ô, nome), gosto (ó, verbo), tomate (ó, ô ou ú, dependendo do sotaque).

Saindo um pouco do oficial, além de eu já ter visto na internet comentários escritos sem nenhum acento, vi também pessoas usando o acento apenas para marcar qualidade de vogal, sendo que em alguns casos a sílaba mais forte deveria ser em outra que não está acentuada, causando confusão. Outro caso não incomum é o uso do 'h' pra acentuar (e às vezes junto com o acento pra distinguir a qualidade). Alguns exemplos: véla, quérida, éh, Júh, sózinho, e mais.

Ainda temos outros acentos. O til (~) é usado apenas sobre A e O pra marcar vogal nasal. Pra indicar sílaba forte, não é muito preciso. Repare: maçã, cãozinho, coração, órgão. Temos também o acento grave (`), conhecido popularmente como "crase" no Brasil porque só aparece quando a preposição A (que quer dizer "(direção) para", "lugar") se junta com o artigo feminino A (pode aparecer também, no português europeu, pra indicar a qualidade da vogal sem indicar sílaba forte, como em prègar). Por fim, o trema (¨), eliminado em Portugal antes do que aqui, servia pra mostrar que o U em QU e GU era pra ser pronunciado (rápido, como W em inglês), mas ainda pode aparecer em nomes próprios, principalmente de origem alemã, como em Schütz. Sem o trema, várias palavras vão se mantendo apenas enquanto a memória coletiva durar, pois na palavra linguiça, não está expresso se GUI é /guj/, /gwi/ ou /gi/.

Bem, já falei bastante. Se você conhece o uso dos acentos em outras línguas, como em italiano e francês, sinta-se livre pra comentar e mostrar algum ponto que chamou sua atenção. Até mais.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Pra que acentuar? - Parte 1

Oi.

Vejo muitos comentários na internet onde as pessoas simplesmente digitam sem usar nada de acento. Será que elas não sabem quando usá-lo? Têm preguiça? Ou é desconfortável mesmo?

A gente sabe que a grande maioria dos produtos tecnológicos do nosso país são desenvolvidos por empresas estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos ou alinhadas com esse mercado. Por o inglês praticamente não ter uso de acentos (chamados tecnicamente de diacríticos), as soluções para acentuação não têm sido das mais animadoras. Nos celulares, aqueles com o tecladinho que você tem que apertar 3 vezes pra ter a letra C, não consigo nem colocar um til ou um chapeuzinho. Até mesmo no iPhone, tão globalizado, você tem que segurar a letra por 1 segundo e arrastar até o acento desejado dentre umas 5 opções. Se tiver sorte, não precisará esperar outros 3 segundos por ter soltado antes de chegar no acento certo... Tudo isso enquanto alguém escrevendo em inglês já digitou umas 12 letras ou mais. A propósito, o blog Tap Tap Tap, de onde eu tirei essa imagem, contém 10 dicas interessantes de funções que talvez você nem saiba que o iPhone tinha.

No teclado do computador, a coisa é menos tensa, mas não menos estranha. Pra colocar acento, você tem que digitá-lo ANTES de digitar a letra em si. Você já viu alguém escrever à mão o acento antes da letra?? O mais natural é pensarmos primeiro na letra para depois pensar qual será o acento que deve ir sobre ela. Assim, muitos acabam desistindo de acentuar palavras, sendo prontamente tachados de ignorantes e preguiçosos. Por causa desse desconforto, alguns até nutrem uma antipatia pelos acentos.

Gostaria de expressar aqui que os acentos têm sua importância para os idiomas que os usam, mas até mesmo as marcas de produtos com público mais abrangente carecem da experiência diária de lidar com eles, para realmente ter noção de como elas é que estão ignorando a nossa dificuldade de acentuar com lógica e agilidade.

Agora, olhando de outro ângulo, nossos acentos são bem simples se comparados com marcas adicionais em outros escritos, como hebreu, hindi e as extensas combinações de traços do mandarim. Já parou pra imaginar os obstáculos tecnológicos que eles têm que atravessar pra digitar corretamente um texto? Nós poderíamos nos esforçar um pouquinho mais pra adicionar um mero tracinho, diante desse monumento tipográfico (talvez seria mais rápido pra eles, só que simplista demais, desenhar um bico e uma crista).

Poxa... Tem tanta coisa pra dizer sobre acentos que vou deixar pra continuar essa conversa em outro post.
Ate mais.