Bom dia,
Meme com cara de tacho (puxado de images.google.com) |
Imagine que você tá numa classe de idiomas. O professor começa a aula e pede para você traduzir a palavra que ele vai dizer. Você traduz normalmente, mas ele responde: "Não. Não é ... . É ..." e você fica com aquela cara: "...mas não foi isso que eu acabei de dizer?"
Você já passou por essa situação? O nosso ouvido está acostumado a diferenciar certos tipos de sons e ignorar outros, de acordo com o significado que eles podem ter na nossa língua materna. Quando começamos a aprender um novo idioma, muitas vezes não percebemos que é um sistema diferente de sons, de letras, de forma de pensar. Algumas coisas não fazem diferença no nosso ouvido simplesmente porque até agora ele não precisou diferenciar.
No casos dos brasileiros, aqui estão alguns traços da fala que nós normalmente não diferenciamos:
1. Comprimento da vogal
Em algumas línguas, como finlandês e latim, e em menor escala em alemão e inglês, a duração de tempo para produzir um som de vogal faz com que elas possam significar coisas diferentes. É como falar a vogal duas vezes, sendo geralmente a primeira mais acentuada. Em inglês, sheep "shíip" /'ʃiːp/ e ship /'ʃɪp/ se diferenciam pela duração da vogal, mas também pelo segundo ter som mais parecido com o nosso Ê (mas não chega a ser igual).
2. Comprimento da consoante
Essa é principalmente para os estudantes de italiano. Sabe aquelas letras duplas que vários brasileiros têm no seu sobrenome (se for de origem italiana)? Em italiano, a pronúncia é como duas consoantes seguidas, mas a primeira fica "trancada" antes de sair a próxima (parecido como quando dizemos "celular" rápido: os dois L ficam grudados). Como exemplo, compare pala /'pala/ ("pá") e palla /'pal.la/ ("bola").
3. Aspiração
Alemão e coreano, entre outros idiomas, dintinguem entre a consoante simples e a que tem como um "sopro" junto, como um H inglês saindo logo depois que a consoante é falada. Assim, nosso P pode ser percebido como um B para eles por faltar esse sopro extra, e no sentido oposto, o B deles pode parecer um P pra nós, especialmente no início da palavra ou no final, pois nesses idiomas, é mais fácil diferenciar P'HÊ de PÊ do que PÊ e BÊ.
4. Consoante no final da palavra
Isso não acontece com todas, mas principalmente com som de P, T e K e também com B, D e G porque elas são raras no final de palavras em português. Não sabemos direito como lidar com elas: às vezes sai um som de "i" no final junto se pensamos que a palavra está em inglês, ou simplesmente cortamos se achamos que é uma palavra francesa, ou ainda nos inclinamos para uma das duas formas independente do idioma. Assim, é possível ouvir a palavra em inglês card falada aqui como "cárdi" ou "car". Na minha opinião, seria mais fácil pra alguém entender você se sobrar pronúncia do que se faltar letra no final.
5. Som de S ou Z na posição final
Pra nós, não faz diferença falar "lessma" ou "lezzma", exceto que a primeira versão fica forçada. Entre "passto" ou "pazzto", soa mais natural o primeiro. Isso acontece porque a "voz" so som (experimente fazer SSSSSSS e depois ZZZZZZ: só com o segundo você pode cantar uma melodia junto) se adapta pra voz da consoante que vai depois: M tem "voz", mas T não. Em inglês, close "clouzz" /kloʊz/ quer dizer "fechar", mas close "clouss" /kloʊs/ quer dizer "perto". Brasileiros são logo reconhecidos por falantes nativos do inglês ao dizer small como "izzmóu" em vez de "ssmóull". A tudo isso ainda se acrescenta as (não-)diferenças entre S e Z nos sotaques do Brasil.
6. Som de M ou N na posição final
Parecido com o ponto de antes, não faz diferença pra nós se a palavra "campo" estiver escrita como "canpo", pois o resultado na pronúncia é só um A mais nasal. Em francês, isso acontece bastante também, mas não em línguas como inglês e espanhol, onde os M e N finais aparecem bem, ainda mais quando a próxima palavra começa com vogal. Para um estrangeiro que diferencia M e N no final da palavra, parece que nós estamos sempre usando um som de NG final do inglês, ou eles nem ouvem no caso de não conseguirem diferenciar nossas vogais nasais das outras (experimente perguntar pra um americano se ele diferencia "com licença" de "co licêça").
7. Tom nas sílabas
Línguas asiáticas, como o mandarim, e muitas africanas, entre outras, diferenciam padrões de entonação nas sílabas de uma palavra, que podem significar palavras totalmente diferentes apenas pelo tom usado. Isso é bem diferente do nosso tipo de entonação em frases para diferenciar uma pergunta de uma afirmação. Em sueco, você pode usar a palavra anden para dizer "o pato" se o tom da primeira sílaba for mais alto que a da segunda ([ˈa᷇ndɛ̀n]), ou para dizer "o espírito" se o tom da segunda for mais alto que a da primeira ([ˈa᷆ndɛ̂n]). Note que a sílaba tônica é a primeira nos dois casos.
Espero ter ajudado você a pensar um pouco sobre a percepção no aprendizado de outras línguas. Ainda poderiam ser listados outros traços que são distintivos apenas em parte. Se você já teve dificuldade em diferenciar alguma palavra em outra língua ou começou a percebê-las a partir deste blog, compartilhe sua experiência com a gente.
Atenciosamente.
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