quinta-feira, 25 de abril de 2013

Pra que lado é o acento?

Oi,

Recebi um anúncio na caixinha do correio sobre uma nova lanchonete no bairro. O horário de atendimento estava escrito "das 18:30h ás 00:45h". Mas, espera um pouco. O acento não era pro outro lado? Pois é, como já falei no post Pra que acentuar? - Parte 2, a norma da língua portuguesa prescreve o emprego do acento grave nos casos de crase. Pra quem não lembra, vamos revisar:

A crase é a fusão de dois sons iguais de vogal seguidos. Não é o nome do acento.
Basicamente, acontece quando a preposição a se funde com a vogal a fraca, no início de aquilo, aquele, aquela, ou noutra palavra a que representa o artigo ou pronome relacionado com o gênero feminino (no Wikipédia e no dicionário Michaelis você pode achar mais informações sobre esse processo e em que casos o acento grave deve ser usado).
Em vários lugares, já vi placas, anúncios em estabelecimentos comerciais, sites e outros meios de escrita onde o acento grave não foi usado onde deveria, ou foi usado onde não precisava. Já vi tanto o uso do acento grave quanto do acento agudo nesse casos. Não só vi como tirei algumas fotos e fiz alguns recortes pra mostrar aqui.







Além da norma, eu gostaria de levantar alguns pontos aqui:
 
1. Nós temos o artigo a e a preposição a.
Na escrita e no som pode ser a mesma coisa, mas elas têm significados diferentes. A preposição pode ter sentido de "para, em (direção a), de, com, até". Tanto é que, na fala dos brasileiros, costumamos substituir essa preposição por outra mais clara sempre que possível. Veja os seguintes exemplos:

Vou à praia. -> Vou na praia.
Ao teu lado. -> Do teu lado.
Dá um passo à frente. -> Dá um passo pa frente.
Da quadra de tênis à de basquete. -> Da quadra de tênis até a de basquete.
Estamos à beira da calçada. -> Estamos na beira da calçada.
À tarde. -> De tarde
Peça ajuda aos colegas. -> Peça ajuda pos colegas.
Escreveu tudo a lápis. -> Escreveu tudo com lápis.
(Só pra constar: pa não é aceito na língua escrita, nem a forma pra, que eu estou usando neste post)

Em alguns casos, a falta do acento ou o uso de outra preposição criam ambiguidade:
Vou chegar às duas. -> Vou chegar nas duas. ??
O bebum cheirava (à/a) cachaça. ??
Vamos falar à parte. -> Vamos falar a parte. ??
Vamos jantar à francesa. -> Vamos jantar a francesa ...[ou] na (moda) francesa. ??

Esse pode ser um motivo por que nós estamos ficando cada vez menos familiarizados com a preposição a e sua versão acentuada.
Já em Portugal, pelo que tenho escutado em rádios portuguesas, tenho a impressão bem parcial que eles gostam mais de usar a preposição a (e também o verbo haver) do que nós.
 

2. No francês, a abordagem é interessante. Eles sempre usam o acento grave na preposição, porém para diferenciar de uma forma do verbo haver que acaba ficando a.
Não tem confusão: se é preposição, bota acento. Essa lógica do acento diferenciador já é usada por alguns aqui com a nossa preposição, mas lembre que ela não é aceita na norma da língua portuguesa.
 

3. No Brasil, o acento grave só é usado para a crase do a. Além disso, não existe uma palavra á que poderia entrar em conflito se o acento agudo fosse usado.
Bem, existe uma regra de força das palavras na ortografia portuguesa que propõe a distinção conteúdo/função nas palavras de uma só sílaba. Isso impediria o uso do acento agudo sobre a pois ela ainda é uma palavra de função.

Pra terminar, o que deu pra perceber é que quando escrevemos diferente por ignorância ou quando escolhemos escrever de outro jeito, estamos desrespeitando as normas da língua portuguesa. E é aqui que está o ponto chave dessa história toda: "língua portuguesa".
Enquanto pensarmos nossa língua como "portuguesa", sempre estaremos infringindo as normas (e não tiro a razão), mesmo que nós sejamos quase 200 milhões de falantes nativos e eles cerca de 10 milhões. A língua é deles. Mas quando nós declararmos que a nossa variante é a "língua brasileira" e não "português do Brasil" ou "português (Brasil)", daí vamos ter toda a liberdade de decidir o futuro dela, sem medo de usar uma ortografia mais eficiente pra nós ou aplicar inovações da linguagem popular. Essa independência poderia servir até para preservar a própria língua portuguesa, sem a necessidade de fazer nenhum "acordo ortográfico" (leia minha opinião aqui).

Tenha um bom fim de semana. Em té!

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