quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

É tão difícil escrever como se fala...

Oi pessoal,
 
Muitas pessoas reclamam quando vão aprender uma nova língua, dizendo que a pronúncia é muito diferente da escrita. Isso acontece principalmente com a língua inglesa, onde, por exemplo, a letra u pode representar um monte de vogais diferentes e ch pode ser nosso tch/ti, ch ou k.
O idioma mais usado no mundo atualmente mantém sua escrita baseada na tradição, ou seja, num ponto da história onde a escrita se estabilizou (se bem que para cada palavra esse ponto pode ser diferente. Assim, a escrita "etimológica" pode ser considerada arbitrária também). O problema é que a pronúncia mudou bastante até hoje e continua mudando pra direções diferentes em cada região do mundo onde o idioma é usado. Nesse sentido, as palavras em inglês prescrevem significado muito mais do que pronúncia. Pra ter sucesso na fala, é preciso então confiar na leitura da palavra inteira e na ordem da frase, além de ter um certo conhecimento de outras línguas, como o francês, para as pronúncias mais imprevisíveis. Escrever segundo a origem ou o som atual é uma escolha que cada povo faz, com suas vantagens e desvantagens.
 
Aqui no Brasil, posso dizer que a gente se inclina mais pra escrita baseada na fala, e, cada vez mais entre os mais jovens, na MINHA fala. Eles querem se expressar, comentar, compartilhar, curtir, mas não param pra perceber se o outro entende o que estão dizendo.
Já li comentários na internet sem nenhum acento e pontuação, nem pra diferenciar é de e ou uma pergunta de uma resposta. Em outros casos, o acento deixa de ser usado pra indicar a sílaba mais forte e indica só o tipo de vogal (Ex.: téla, sózinho). Mais extremo, já vi frases viradas num palavrão, literalmente: táquipariu.
Eu penso que se você quiser viver em sociedade, tem que entrar num acordo de comunicação. Não dá pra querer dizer tudo o que quer, como quer, na hora e ordem que quer, com a letra que quer... Tem que se adaptar à situação, ter um limite entre o que facilita a escrita (mas fica muito próprio) e o que é tradicional só por ser.
 
Proponho aqui uma experiência: veja a frase a seguir:
 
Se eu gosto das casas, das ruas, mas não das árvores, o gosto é meu.
 
Quem escreve em português, tanto em Portugal, Angola e nas regiões do Brasil, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e em Manaus, vai entender o que está escrito aqui. Só que a pronúncia do S nessa frase é bem variada dependendo do sotaque:
 
Se eu fosse escrever, falando rápido como um carioca, ficaria assim (desculpe cariocas, essa é a minha percepção como catarinense vendo Salve Jorge): Si eu góh dax cázah, dáih húah, máih náũ daz áhvuriix, u gôixt'é méo. [falar X como CH brasileiro e H como CH alemão]
 
Já no oeste catarinense, poderia ser desse jeito: Se eu gósto das cázaz, daz rúaz, má nãu daz árvores, o gôstu'é meu. [O e E finais são ô e ê fracos, o R é como na Itália].

Em Minas, seria mais ou menos assim: S'ô gós dás caz, daz hua, ma nũ dáz arv, u gôst'é meu, uai. [S como SS e Z como Z puro]

A gente não pensa nos detalhes de pronúncia da letra S quando fala, mas na verdade a realização dela é bem complexa. Você viu que na versão carioca a palavra 'das' aparece como 'dax', 'da(i)h' e 'daz'? Mas as três não significam a mesma coisa? E no caso de 'gosto'? Aparece em Minas o 'gós' e o 'gôs(t)', mas os dois têm mesmo sentido.
Pois bem, parece mais fácil escrever como se fala, mas no final a gente precisa aprender um monte de regras pra mudar a pronúncia de acordo com outros sons que estão perto e também aprender várias palavras que no fundo querem dizer a mesma coisa... E ainda assim pode passar uns trinta anos e tudo mudar de novo!

No final das contas, o que é mais vantajoso? A escrita prescritiva (menos precisa em pronúncia, porém mais funcional) ou a escrita fonética (mais precisa em som, porém mais separatista, com mais vocabulário redundante). Pra mim, é mais vantajoso se for mais eficiente, ou seja, em pontos onde há muita variação sem perder a essência, deve ser mais prescritiva (Ex.: O plural com -s, pelo menos em palavras de função); em outros, atualizações fonéticas seriam mais proveitosas (Ex.: falando de uma língua "brasileira", é bem geral que as pessoas não pronunciam os R finais de verbos. Uma língua escrita língua brasileira teria mesmo que cortá-lo).

É isso por hoje. Quer fazer sua versão sobre a frase acima? Não deixa de compartilhar nos comentários, dizendo de que região é. Tchau!

Nenhum comentário:

Postar um comentário